MAIS UMA ESTRELA NO CÉU – O GIRÃO
(Agosto de 2016, Flor da Rosa)
Carlos Alberto Girão Ferreira, o Girão no meio musical nacional, deixou-nos inesperadamente no dia 9 de junho do 2021, com 78 anos, faria 79 em novembro. Há mais uma estrela no firmamento, esta é muito musical. Vai transpirar e brilhar musicalmente, será mais cintilante que as outras. Nascido em Vila Viçosa, no seio de uma família de músicos, veio para o Crato com 1 ano de idade, acompanhando o seu pai, o mestre Ferreira, que muito engrandeceu a Filarmónica do Crato nos idos anos 50 (Banda Municipal Cratense à época). Diziam os músicos já desaparecidos, que a Banda naquele tempo atingiu um nível notável e tinha imensos serviços. Foi a época dos concertos com temas como 1812, As Bodas de Luís Alonso, La del Soto del Parral, entre muitos outros. E o Girão cresceu no meio de tudo isso, em ensaios e lições dos aprendizes e a ver o irmão Estevão a tocar. E logo que foi capaz e tinha corpo para tal, o pai colocou-o a tocar, iniciou aos 7 anos de idade. O seu instrumento era o saxofone, qualquer um, mas como ele dizia, só sabia o que ia tocar no dia do serviço, era conforme a necessidade que o pai tivesse e houvesse mais falta de músicos. Por isso, tocou de tudo um pouco. E como o pai foi músico da Banda da GNR e o irmão também seguiu as mesmas pisadas, o rapaz também lá foi parar, não pelas influências, mas pela sua qualidade. Tocou saxofone, mas rapidamente foi desviado para o setor da percussão, que começou a ter maior valor e destaque a partir dos anos 60/70 (chamava-se a pancadaria e iam para lá os que não conseguiam aprender as notas), sendo ele um dos pioneiros em Portugal. Paralelamente à nobre missão na Banda Sinfónica da GNR, tocou em conjuntos famosos e em boîtes, ou seja, conheceu, profissionalmente, toda a vida noturna lisboeta, como saxofonista. Para além de chefe de naipe da percussão na GNR, marcou presença muitos anos na Orquestra da Gulbenkian, sob a direção musical do maestro António Vitorino de Almeida, que tinha uma enorme estima e confiança no e pelo Girão. Foi também professor no Conservatório Nacional em Lisboa onde lançou muitos nomes da percussão portuguesa, alguns espalhados pelo mundo e ainda deu aulas na Universidade de Évora. Tocou muitos anos na Banda da Trofa e Espinho e amiúde em muitas outras. Granjeou admiração e amigos por todo o lado e, a par da notável qualidade musical, o Girão era um ser humano excecional, sempre com uma palavra amiga, de admiração e incentivo, e um verdadeiro gentleman, qual embaixador da música.
Nunca quis ser maestro, não queria deixar de tocar e não se sentia com jeito… Mas ainda o foi por uma meia dúzia de vezes, na banda da sua terra, quando o saudoso Presidente Honorário, José Belo, lhe ligava para vir de Lisboa salvar a sua banda do Crato que não tinha maestro (finais dos anos 70). Nunca se negou. Satisfez sempre o pedido do seu grande amigo e admirador, ele que também tocou caixa no tempo do seu pai. Ao reformar-se, veio viver uns anos para Sousel, onde tinha uma casa de um familiar, e estava feliz porque já estava próximo do Crato. E desde aí, passou a vir tocar regularmente na sua banda de sempre. Mas não descansou… Ele, e os colegas da Direção e músicos da Filarmónica do Crato, que o estimavam enormemente, e rapidamente lhe arranjaram uma casa rasteira, como ele queria, e com quintal, ali junto a Flor da Rosa. Com a mudança para o Crato, o Girão ganhou anos de vida e ainda se aproximou mais da Banda. Nos anos de 2016 e 2017 tocou em praticamente todas as festas e saídas, desde a mais singela romaria, aos principais encontros de bandas ou com a Quinta do Bill, a título de exemplo. Onde quer que ia connosco, era uma “instituição”. Não havia terra onde não fosse conhecido ou reconhecido por músicos, maestros ou diretores. Não me esqueço quando, numa conversa, com o nosso grande amigo (e da música), Mário Cardoso, da firma Cardoso e Conceição, e lhe pedi um suporte de caixa para aliviar as costas do meu filho, que ia entrar para a banda, com 9 anos, e outro para o Girão, que já estava a ficar velhote, o amigo Mário ficou surpreendido! “O Girão, Miguel? Da Banda da GNR? Mas ele está no Crato?” E eu respondi, de peito aberto – “Sim, Mário! O Girão da GNR! Ele é do Crato! Vive no Crato! Toca na Filarmónica onde cresceu!”. O Mário Cardoso veio ao Crato, praticamente de propósito, trazer os dois suportes e rever o Carlos, que não via há anos e conhecia muito bem, porque tocaram juntos por cerca de 10 anos na Banda de Espinho!
(Festa de São Marcos, Gáfete, 25 de abril de 2016)
(Festa de São Marcos, Gáfete, 25 de abril de 2016)
Quis a pandemia que todos tivéssemos de parar vários meses. E o Girão estava para voltar a fazer o que mais gostava: tocar na sua banda e estar com os seus, não que os outros que conheceu em toda a sua vida, também foram seus. Mas estes, os do Crato, eram como irmãos de sangue! Esta era a sua Banda, que estava no seu coração ao nível da Banda da GNR.
Por causa da pandemia, e porque a sua família quis uma cerimónia funerária restrita e familiar, a sua Banda esteve para não se despedir dele. Seria um sacrilégio! Em boa hora, a viúva Leonor e os filhos Fernando e Elizabete, perceberam que havia um desejo enorme dos músicos da velhinha Filarmónica do Crato em se despedirem do seu maior ícone. Até porque é hábito e está escrito no Regulamento Interno da Banda, que a mesma deve abrilhantar as cerimónias fúnebres de todos os seus que faleçam ainda no ativo. E foi o caso.
No dia 10 de junho de 2021, pela manhã, junto à Igreja da Misericórdia do Crato, a Filarmónica do Crato fez parar a cerimónia fúnebre, e no momento em que o caixão deu entrada na limousine funerária, ouviu-se os acordes da marcha imortalizada pela Banda nos tempos do seu pai, nos longínquos anos 50 do século XX, de seu nome “O Suspiro”, que todos os anos é tocada na Semana Santa e na Procissão do Senhor dos Passos. Há mais de 14 meses que não era tocada (devido à pandemia não houve Semana Santa em 2020 e 2021). E fez cair muitas lágrimas, mesmo em quem a tocava. Foi a despedida merecida. O Girão tinha de ter música na despedida!
O funeral seguiu para o crematório de Elvas, onde alguns músicos ainda foram à última despedida, com apenas cerca de uma dúzia de pessoas fisicamente (mas milhares em pensamento), para além de um pelotão da GNR, que deu a habitual rajada de 3 tiros ao seu Sargento-chefe, Girão!
Pelo meio, mais uma vez por causa da Covid19, ficou um Festival de Bandas por realizar, no Crato, em sua homenagem, organizado pela Federação de Bandas e Filarmónica do Crato, com apoio do município e CIMAA, que era para ser em julho de 2020, depois passou para 2021 e, agora, terá de ser póstumo, em 2022.
A música, o Crato, a sua Filarmónica, a família, o país ficaram mais pobres! Certamente, a partir de agora, há mais uma estrelinha a velar para que a Filarmónica do Crato perdure no tempo! Paz à sua alma! Condolências à família! Até Sempre, Carlos!
(Nossa Senhora dos Mártires – Crato, Maio de 2016)
(Encontro de Bandas da Federação de Bandas de Portalegre em Monforte, 15-7-17)
(Semana Santa do Crato 2017, procissão noturna)
(Concerto de Nª Srª da Conceição, Crato 8 de dezembro/17, com Presidente da Câmara)
Deixar comentário