NOVOS DOCUMENTOS HISTÓRICOS PARA A FILARMÓNICA DO CRATO

 A história da Filarmónica do Crato tem evoluído imenso nos últimos 10 anos e eis que foram descobertas mais informações sobre a sua atividade, desta feita no longínquo ano de 1895. Tratam-se de notícias num jornal portalegrense – “O Campeão”, semanário independente de Portalegre que existiu entre 1893 e 1897, e que passou a bissemanário, o qual se pode consultar na Biblioteca Municipal de Portalegre, no entanto, o mesmo encontra-se em más condições. Nesta publicação é ainda possível conhecer-se um pouco mais sobre o Crato e o seu concelho e as tradições que existiam e que desapareceram.

Assim sendo, uma das notícias encontradas é referente à festividade em honra de S. Bento, em Flor da Rosa, a qual ocorria por altura dos santos populares. Este santo ainda é comemorado na aldeia mas passou para agosto juntamente com a festa em honra de Nª Srª das Neves. É citado um cortejo da imagem de S. Bento da sua capela para a outra capela com o nome da santa enunciada anteriormente. E é curioso que o correspondente menciona um cortejo acompanhado por um rancho de raparigas cobertas de fitas levando ofertas que seriam leiloadas. Este costume, tanto quanto sei, ainda se realiza nas festas de agosto (já lá não vou há cerca de 10 anos com a Filarmónica do Crato) e tem o mesmo objetivo que há 120 anos – angariar fundos para fazer face às despesas.

Outra curiosidade da notícia prende-se com o nome dos párocos da época. O elemento principal seria o padre António Basso, secundado pelos párocos José Diniz da Graça Figueiredo (creio que era natural de Nisa) e José Gorgulho (provavelmente do Crato). O padre Basso evidenciou novamente as suas qualidades oratórias (já encontrei mais notícias onde o citado padre é muito elogiado).

A parte da notícia que interessa à Filarmónica do Crato refere que a festividade foi “assistida pela fhilarmónica Cratense, das melhores muzicas de provincia” elogiando ainda o seu regente, o senhor “Custodio Silencio Xavier Ferreira que em todas as suas composições, revela finissimo gosto musical”. O nome deste maestro é para nós absoluta novidade e irá passar a fazer parte da lista de maestros existente.

 

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A outra notícia de inegável interesse foi encontrada no mesmo jornal, no seu nº 118 de 30/06/1895 (a anterior descobri-a no nº 116, de 23/06) e relata uma festa também desaparecida no Crato, pelo menos nos moldes em que era feita. Trata-se das festividades ou do arraial de São João Baptista. Atualmente ainda existem arraiais de S. João mas o mais conhecido e que mais gente mobiliza é o de Santo António.

Esta festa é parecida com a que se verificou em Flor da Rosa onde a missa tem como ponto principal o sermão do reverendo, desta feita pelo senhor Padre Virgilio da Graça Figueiredo, que na notícia de cima é mencionado como padecendo de enfermidade. O que hoje não se cumpre é a procissão, que é referida como tendo ocorrido às dezassete horas. É curioso o nome das ruas que são assinaladas no percurso da citada procissão. Algumas já não possuem esse nome mas ainda são conhecidas por algumas pessoas como tal. A Rua da Egreja hoje tem o nome de um grande cratense que foi importante 50 anos antes de 1895 e que foi Administrador do Concelho por muitos anos, de seu nome José da Gama Caldeira Castel Branco. A Praça mencionada é a do município e a rua seguinte ainda hoje homenageia o grande militar e explorador colonial em África, Serpa Pinto – esta rua teria este nome há poucos anos. Em seguida subia a Rua da Cadeia, nome pelo qual é ainda hoje conhecida por toda a população cratense e muito menos pelo nome oficial – rua 5 de outubro e que à data ainda não se podia chamar desta forma porque estávamos longe de adivinhar que a monarquia haveria de acabar passados 15 anos (5 de outubro de 1910). A rua seguinte faz todo o sentido embora atualmente não faça parte do percurso habitual das procissões. Trata-se da rua de São Pedro, onde se encontram as Portas de S. Pedro ou de Santarém. É sabido que onde hoje se encontra o Coreto da vila existia a capela de S. Pedro (Calvário), que foi destruída em 1930 aquando das obras de nivelamento do Rocio. Mencionei que esta rua fazia sentido receber a procissão simplesmente porque o Crato ainda não existia praticamente da estrada nacional 119 para norte. Essa zona começa a urbanizar-se após a implantação da república, aliás as avenidas onde se situou a extinta Metalúrgica são datadas da década de 20 do século XX embora a antiga escola onde hoje está sedeada a nossa Filarmónica, seja de finais da década de 90 do século XIX, ou seja, da idade desta notícia e foi projetada por um reputado arquiteto da monarquia, Adães Bermudes, que viria a ter muitas escolas iguais por esse país fora (Alpalhão, Gáfete, Alter, Gavião, etc.). Outro aspeto importante prende-se com o facto da muralha norte da vila do Crato ter sido derrubada (provavelmente até à 3ª década do século XX) na zona onde atualmente é a Casa Josebel e na rua da Sobreira, precisamente para permitir que as mesmas fizessem ligação à estrada nacional que nos ligava a Portalegre. As ruas seguintes são omissas no texto mas presume-se que a procissão viria a descer a rua que à data se chamava rua da Redinha (rua dos correios) e que hoje homenageia os heróis dos ares e da aeronáutica – Gago Coutinho e Sacadura Cabral, celebrizados pela primeira travessia do Atlântico Sul numa pequena aeronave em 1922. A outra rua omitida é a D. António Prior do Crato e que liga à atual Rua Dr. Teixeira Guerra, que homenageia o conceituado embaixador cratense, que era dono do palácio mais antigo do Crato (e do castelo), onde tiveram lugar dois casamentos reais (D. Manuel I e D. João III). Em 1895 essa rua chamava-se Rua dos Fornos e é curioso que é uma das que ainda hoje não perdeu por completo o seu antigo nome e o prestigiado embaixador ainda não tinha nascido em 1895 (faleceu em março de 1996). Refira-se que as procissões ainda hoje, na sua maioria, mantêm este tipo de percurso.

A notícia refere a existência de um arraial na véspera, com a participação dos estudantes que já se encontravam de férias na sua terra natal. Veja-se que esta notícia nos demonstra que os jovens cratenses já tinham de se ausentar da sua terra natal para estudarem, mas seriam apenas os filhos dos importantes lavradores e outros endinheirados. A parte que importa à atual Filarmónica do Crato demonstra que “abrilhantou o arraial a filarmónica desta villa, que executou algumas das melhores peças do seu variadissimo reportorio”. Pelos vistos, a nossa banda gozava de boa saúde nesta época, à semelhança dos tempos que hoje vivemos, volvidos 120 anos.

Viva a Filarmónica do Crato, que por existir desde 1844 já dobrou três séculos cruzando-se inegavelmente com a história e a identidade do Crato e do seu concelho.

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